quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Meu Pão

Panificação é uma arte misteriosa. Na verdade acho "arte" inapropriado pra cozinha em geral; cozinha é técnica, não arte (embora, vá lá, envolva sensibilidade e senso estético). Mas a panificação é especialmente complexa - e para conseguir resultados decentes, as fases de preparo, fermentação e modelagem exigem tempo, precisão e dedicação. Por isso, minha produção de pães era inversamente proporcional à minha biblioteca sobre o tema (excluindo pizza, que eu acabei dominando, e preparo há algum tempo com bastante frequência - e alguma competência).
Recentemente, entretanto, comecei a me interessar por uma vertente que nem é tão novidade assim: a técnica de massas com muita humidade e pouco trabalhadas, que geram pães muito bons com pouca manipulação. O livro definitivo, que me converteu para essa escola, foi o de um dos melhores padeiros de New York, Jim Lahey, dono da Sullivan Street Bakery: My Bread. O resultado?




O livro é uma proeza de marketing, já que ele conseguiu preencher 222 páginas com (basicamente) uma única receita, e vendeu milhares de cópias. As fotos são muito boas, e o cara é bom de contar história. Mas a técnica é o que conta, e ele desenvolveu uma que é simples (mas brilhante) para você e eu termos resultados excepcionais, de padaria mesmo, no forno de casa: assando o pão numa panela de ferro.


Porque? No forno, o pão está sujeito a dois fenômenos interessantes e antagônicos: a expansão dos gases no interior da massa (notadamente gás carbônico, fruto da fermentação) que faz o pão crescer, e a secagem da casca, que, rapidamente, interrompe essa expansão. Para resolver esse dilema, fornos profissionais contam com injeção de vapor, que mantém a superfície da massa húmida tempo suficiente para a expansão atingir seu potencial. Em casa, isso não rola. O Jim bolou um sistema bacana: ele assa o pão dentro de uma panela tampada, criando um "forno dentro do forno". Nesse espaço exíguo, a água proveniente dessa massa muito hidratada é suficiente para criar uma humidade relativa que permite ao pão se expandir lindamente.

Minha receita é basicamente a dele, mudando um ou outro detalhe. Os resultados nunca decepcionam. As varições do livro giram em torno de receitas clássicas italianas (nozes e passas, calabresa, integral). Se gostar da idéia, compre o livro, vale a pena.

O único equipamento "especial" é uma panela de ferro (eu uso uma Le Creuset, mas pode ser qualquer panela, tipo Panela Mineira, mais baratinha). A única providência é retirar da panela componentes que não suportem temperaturas extremas. Na Le Creuset eu tiro o cabo preto da tampa, recoloco o parafuso e fixo com papel alumínio. O importante é vedar a tampa, pra humidade não escapar.

Meu Pão
Adaptado do livro My Bread, de Jim Lahey

Ingredientes
3 xícaras de farinha de trigo
1 1/3 xícara de água
1 ¼ colher de chá de sal
¼ colher de chá de fermento

Procedimento
Misture os ingredientes num bowl de plástico, vidro ou cerâmica até obter uma mistura homogênea; a textura é bem úmida, grudenta.



Cubra com plástico file e deixe fermentar em local fresco por 12 a 18 horas; quanto mais tempo, mais os sabores se desenvolvem. Se estiver muito quente, pode-se deixar 6 a 12 horas na geladeira, seguido de 6 horas fora.



Enfarinhe uma superfície de trabalho e despeje a massa sobre ela; vai grudar no fundo do bowl, solte com o auxílio de uma colher ou espátula. Dobre 4 pontas da massa sobre ela mesma, formando uma bola. Quanto menos mexer, melhor.


Deposite a bola com as dobras viradas para baixo sobre um guardanapo enfarinhado com farelo de trigo, sêmola, fubá, ou outra farinha grossa e solta. Polvilhe a mesma farinha por cima e feche o guardanapo. Pode-se colocar essa trouxa num bowl.



Deixe crescer por 1 a 2 horas.

30 minutos antes de assar, leve uma panela pesada com tampa ao forno aquecido a 250C.

Retire a panela quente do forno (CUIDADO!!!), abra o guardanapo e vire a bola sobre o fundo da panela; as dobras ficarão para cima.

Feche a tampa e volte ao forno. Asse por 30 minutos tampado, destampe e asse por mais 15 a 30 minutos.
Retire a panela do fogo, com cuidado retire o pão, e deixe esfriar idealmente sobre uma grade.




PS: Timing é tudo na vida. Comprei o livro quando lançou, e tinha idéia de escrever a respeito num dos primeiros posts do blog. Mas o Mark "The Minimalist" Bittman escreveu em sua coluna no NY Times, e o assunto logo virou cliché - tudo quando é blog de foodie tem sua versão. Mas a minha é a melhor!

Um comentário:

  1. Bela postagem e ótima dica do livro. E, tá bom... a sua versão é a melhor!... :) Zz

    ResponderExcluir