sábado, 26 de junho de 2010

Boeuf Bourguignon Sous-Vide

A idéia começou com a proposta do CP de abrirmos uns borgonhas. Sugeri que fosse em casa, e me dispus a preparar (por razões óbvias) um Bouef Bourgignon - o que, aliás, planejava preparar faz tempo. Um pouco de pesquisa e resolvi usar a receita do sempre impecável Thomas Keller. Problemas: a) dos livros dele, somente ainda não tinha o do Bouchon, onde a receita foi publicada (esse já resolvi, o livro já chegou) e, pior, b) tinha reunião no Rio na véspera do jantar, portanto ia ter que preparar tudo depois de voltar pra casa no final do dia. Nem que virasse a noite ia conseguir seguir todos os passos das várias adaptações que achei na internet, então decidi otimizar o processo e fazer uma reinterpretação sous-vide da receita.




Para tanto, contei com a ajuda do amigo-chef Manuel Coelho (que foi, aliás, grande influência no conceito de Temperatura & Pressão), que me deu as linhas gerais de como fizera o prato no forno combinado. Com as dicas do Manuel na cabeça, parti pro meu planejamento.

Domingão de manhã passei no Sérgio Falanga, em Itatiba (o açougueiro mais caprichoso que conheço) e pedi para cortar uma peça inteira de miolo de paleta em cubos de 5 cm de lado. Terça à noite, de volta do Rio às 8 da noite, parti para o preparo:

Boeuf Bourguignon Sous-Vide
Inspirado nas adaptações do livro "Bouchon", de Thomas Keller

Ingredientes (para 6 pessoas)
2 kg de miolo de paleta, cortada em cubos de 5 cm de lado
1 fatia grossa, uns 300gr de bacon de boa qualidade
1 garrafa de vinho tinto (usei um chileno razoável, Cabernet/Merlot com bom corpo)
1000 ml de caldo de carne
2 cebolas grandes
6 echalotas (se conseguir)
4 dentes de alho (como aromático)
4 talos de salsão
2 talos de alho poró
2 cenouras grandes
20 mini cenouras, idealmente com seus talos
25 cogumelos Portobelo
25 mini cebolas pérola
20 dentes de alho grandes e bonitos, (para o alho caramelado)
100 gr de açúcar, 100 ml de água, 100 ml de vinagre branco
Tomillho
Alecrim
Louro
Salsinha
Preparado Demi Glacé linha Chef Professional Nestlé (opcional)
500 gr de papardelle ou tagliatelle ou fettucine, da melhor qualidade possível - num próximo post faremos fresco.......

Preparo
Numa panela coloque o vinho e metade dos aromáticos (vegetais e ervas: cebola, echalotas, salsão, alho poró, cenoura, tomilho, alecrim, louro, salsa mais todo o alho, tudo picado grosseiramente) e levante fervura; junte o caldo de carne, reduza para fogo médio e deixe reduzindo por uma hora, ou até que o líquido reduza pela metade (pouco menos de 1 litro). Passe por uma peneira muito fina, descarte os vegetais e reserve (pode até congelar para preparo posterior).

Numa panela pequena, coloque o açucar e derreta em fogo baixo. Anexe (com cuidado!) a água e o vinagre, derreta todo o caramelo, e junte os dentes de alho. Cozinhe em fogo médio por aproximadamente 40 minutos, pingando água conforme o caramelo fique muito grosso. Quando estiverem macios, reserve

Coloque as cebolinhas numa panela (idealmente numa especial para cozimento a vapor), junte 1 ramo generoso de tomilho, 1 de alecrim, 2 folhas de louro,  e cubra com água mineral. No cesto de cozimento a vapor, ou numa peneira de inox sobre a panela, coloque as mini cenouras descascadas e com 2 cm de talo sobrando, pra dar um charme. Tampe, e cozinhe até que as cebolinhas e as cenouras estejam al dente, escorra e reserve.

Seque a carne rapidamente com papel toalha (não precisa caprichar muito, é mais para perder o excesso de humidade), tempere com sal e pimenta do reino. Com o auxílio de uma peneira fina, polvilhe 2 a 3 colheres de sopa do Demi Glace em pó. Esse procedimento tem dupla utilidade: além do preparado servir como reforçador de sabor, o dióxido de silício da fórmula seca a carne, fazendo o envelopamento a vácuo muito mais fácil (levando em consideração que não temos uma máquina de vácuo de câmara). Esse produto pode ser encontrado no Santa Luzia, Santa Maria, Mercadão, etc e não tem nada a ver com caldo em cubinhos; a qualidade é bastante boa, e para nosso uso e nessa quantidade não compromete absolutamente o resultado final - pelo contário, dá uma profundidade de sabor bem interessante. De qualquer forma, é opcional, mas sempre que possível uso como reforçador de sabor / secante em minhas preparações sous-vide. Minha observação pouco científica é de que ele ajuda ainda mais a diminuir o encolhimento da carne.

Arrume a carne temperada no saco de vácuo, distribua sobre ela o restante dos aromáticos (use a casca do alho poró para envolver alecrim, tomilho e louro num bouquet garni, usando uma tira de filme plástico para manter tudo junto) e retire o ar na máquina de vácuo. Para essa quantidade, dividir em 2 sacos funciona perfeitamente.


Em separado, prepare um velouté: doure 50gr de farinha de trigo em 50gr de manteiga, incorpore 250 ml de caldo de frango, homogenize. coloque num recipiente de inox que encaixe na borda do tanque do termocirculador (ou mesmo num saco Ziploc, pois no vácuo vai fazer uma mega lambança). A função do Velouté é, na fase de acabamento do prato, acertar a textura do molho. Não vamos usar todo ele, o que sobrar pode ser congelado para uso posterior. Ele será cozido no termocirculador por longo tempo, junto com a carne, por uma razão importante: nos mesmos 80 graus do cozimento da carne, o amido da farinha se transforma paulatinamente em gel. Assim, teremos um espessante para o molho que não tem o menor traço de "gosto de farinha", como fica quando usamos farinha ou amido de milho dissolvidos em água, ou mesmo roux (farinha cozida na manteiga). Acredite, faz uma mega diferença. Assim, coloque a carne e o velouté no termocirculador a 80C, e vá dormir.

Pela manhã, tire os sacos do banho (umas 6 a 8 horas de cozimento), dê um choque na água gelada, guarde na geladeira e vá trabalhar, vagabundo.

Duas horas antes do horário de servir, faça uma pequena incisão nos sacos e escorra num recipiente o pouco suco que se formou (o sous vide preserva bastante o volume original da carne, o que não gera muita perda de humidade - e portanto de maciez), incorpore à redução de vinho e ao caldo de carne, e coloque pra reduzir novamente. Abra os sacos, descarte os aromáticos, e reserve a carne. Como eu estava preocupado com a ausência de reação de Maillard durante a preparação, dourei a superfície da carne rapidamente com o maçarico de butano. Funcionou bem, deu um toque defumado na carne.

Enquanto o caldo reduz, corte o bacon em tiras (lardons) de 1 cm, e leve ao forno quente num assadeira em uma só camada. Depois de uns 10 min, dê uma misturada e continue a assar por mais uns 10 min, ou até o bacon dourar. retire, e coloque pra escorrer em papel toalha. Coloque nessa gordura os cogumelos, misture e leve para assar no forno, uns 15 a 20 min, até escurecer, amaciar e reduzir.

Assim que o caldo tiver reduzido um pouco (ele já estava bem concentrado, lembre-se) coloque o velouté aos poucos, uma colher de sobremesa por vez, e incorpore bem. Quando der ponto de molho (deve consumir menos da metade do velouté), incorpore todo o resto (carne, cogumelos, cebolinhas, cenoura) menos o bacon, tampe a panela e leve ao forno baixo até a hora de servir.

Imediatamente antes do jantar, cozinhe o papardelle al dente em água salgada na proporção de 1 colher de sopa de sal para cada 4 litros de água, escorra e misture com uma quantidade generosa da melhor manteiga possível.

Sirva o Boeuf Bourguignon sobre o papardelle em pratos fundos; arremate com um dente de alho caramelado e 2 lardons de bacon por prato.


E o line up dos vinhos? Bons, muito bons. Algumas das garrafas estão aí na foto. Ironicamente, a estrela da noite não foi da Borgonha, mas de Bordeaux: um Sauternes Suduiraut 1975 inacreditável, servido com um soufflé de chocolate 75%  cacau sofrível (nõ o chocolate, que era show, mas a execução - que preciso aprimorar). No meio da garrafa o CP vem com um papo de que Sauternes fica perfeito com frango...... E criou o tema de um próximo post. Stay tuned.


Um comentário:

  1. Ricardo, ficou bacana o blog. Não sei não se terei todo esse tempo, ainda mais que é leitura perigosa, provoca reações salivares. Depois que sair do regime para a maratona, olho com mais atenção. Abs

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