domingo, 19 de dezembro de 2010

Protótipos de Natal

Amigos são cobaias. Sorry folks, mas de certa forma para o cozinheiro fuçador, todo amigo tem uma boa semelhança com um rato de laboratório. Via de regra eu tento ser relativamente ético, submetendo as pessoas que moram no meu coração e que, de bom grado, encaram meus experimentos, a um protótipo - e para compensar sirvo algo que sei que vai sair mais ou menos dentro do esperado. Mas é Natal, eu queria fazer uma ceia totalmente preparada em sous vide, e nossa amiga R nos intimou a marcar aquele jantar que há muito prometíamos e nunca entregávamos... Eu havia preparado uma boa variedade de legumes à temperatura "mágica" de 83C, onde o amido vira gel mas a pectina não, mantendo a forma do legume enquanto supostamente daria a ele uma textura ímpar - pelo menos na teoria. O preparo de algumas proteínas também trouxe algmas surpresas inesperadas. Assim, dado que tinha curiosidade em saber se a ceia iria funcionar, e os candidatos sorridentes saltitavam diante da mira, porque não? Fogo!




Para o Natal deste ano decidi preparar tudo - ou quase tudo - antecipadamente no sous vide, assim já havia feito alguns dias atrás um lombo de porco recheado com damascos, ameixas pretas e pistache. Logo em seguida preparei uma variedade considerável de legumes também no vácuo: mini cenouras com seus talos, mini milhos e cebolinhas pérola roxas. Esses todos foram para o saco de vácuo temperados com sal, um pouco de açúcar e uma boa colherada de manteiga. Tambem embalei batatinhas descascadas, temperadas com sal, pimenta, alecrim e azeite. Tudo foi para o termocirculador à tal temperatura mágica de 83C em tempos variáveis, dependendo de tamanho e quantidade de amido: uma hora para as cenouras e cebolinhas, duas para os mini milhos e as batatinhas. Nessa temperatura, todo o amido do legume vira gel, mas ele mantém a forma porque a pectina, proteina que dá estrutura e que somente degrada a 85C, fica intacta. Então a aparência - e em alguma extensão a crocância - é de legume cru, mas o sabor é de cozido no ponto, com uma textura teoricamente incrível. Faltava submetê-los às cobaias.
Essa experiência já seria suficiente, deveria preparar algo já testado para nossos convidados mas surgiu mais um desafio: quando preparava meia leitoazinha de leite, a embalagem abriu durante a cocção... A bichinha passou a noite nadando no termocirculador, seus sabores sendo roubados pela àgua. Às 5 da manhã, saindo pra academia, abri a tampa e o cheiro de caldo já dizia tudo: deu caca....... de qualquer forma, dei o choque térmico (pra quem quiser entender a técnica, tem tudo bem explicado no post Sous Vide - Fundamentos) e mandei pro freezer. Como ia servir ao menos uma perna de cordeiro que tinha sido devidamente preparada nesse mesmo lote, sem surpresas, resolvi botar a leitoa na roda. Como para piorar havia também esquecido de salgar a carne quando embalei, comecei temperando bem com sal de funghi secchi; é um sal de acabamento, mas lembrem que a carne havia perdido muito sabor para a água, então tinha que colocar sabor de volta. Na sequência pincelei a peça toda com um demi-glace (caldo de vitela reduzido e espessado), e levei ao forno à lenha não muito quente: queria que a carne aquecesse mais lentamente e desse tempo da pele craquelar. Fui regando com o molho do fundo da assadeira, onde ia acrescentando mais uma camada de sabor ao incorporar vinho branco aos poucos (entre a leitoa e o cordeiro, foi uma garrafa de Chardonnay inteira....). Uma hora de forno, uns 200C, regando o tempo todo. Depois de pronto, as carnes foram para uma tábua para descansar alguns minutos, enquanto cada assadeira era deglaçada com caldo de vitela, os molhos resultantes coados 2 vezes, e espessados com goma Xantana. Aliás, foi mais um teste, pois não havia usado Xantana para espessar molhos antes. Sensacional, uma quantidade mínima na panela incorporada usando o hand mixer resultou numa textura muito cremosa e rica, sem colocar ainda mais manteiga na jogada; substitui exepcionalmente bem o velouté para molhos mais ricos onde o sabor adicional da manteiga não acrescenta muito, como era o caso aqui...   O resultado final?

A leitoa "recondicionada"...


E o cordeiro "comme il fault"




Os legumes foram todos para a frigideira para caramelizar, onde ganharam mais um pouco de manteiga - menos as batatinhas, que receberam uma dose generosa de azeite:






Enfim, deu tudo muito certo e as cobaias sobreviveram.

Sobremesa? Clafoutis de Pannetone e Vinho do Porto, preparado com esmero pela Dona da Casa. Mas esse é assunto para um próximo post!




2 comentários:

  1. As 23h50min do dia 22/12/2010 em assembleia extraordinaria comemorativa aos festejos de 2010, esta reunido o comite central e administrativo da turma da ADRENALINA, destacando-se em ata mencao honrosa ao sr. Ricardo Siqueira Lanfranchi. Nossos votos de um Feliz Natal e um Prospero Ano Novo repleto de novas receitas e banquetes.

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  2. Só de ver as fotos e lembrar dá água na boca...
    Apesar da aventura da leitoa, ela estava fantástica! Tenra, úmida e saborosíssima. O cordeiro idem. Já imprimi a receita do caldo de vitela...
    Os legumes no ponto, tudo bonito, bem apresentado, foi um super jantar. Esperamos ser suas cobaias para sempre!!!
    Um beijo, Paola e Andrés.

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